Foto: Pablo Miyazawa |
A apresentação que Paul McCartney realizou na noite desta segunda, 6, em Goiânia (GO), tinha tudo para ser previsível. Se levado em conta o repertório, foi mesmo: o set list de 38 músicas foi uma cópia exata da sequência destilada em Belo Horizonte há dois dias, no show que marcou o início da turnê mundial Out There.
Diferente do evento no Mineirão, porém, McCartney nao se fez valer de afagos regionalistas para agradar especificamente ao dedicado público de 40 mill pessoas que tomou o estádio Serra Dourada. E acabou nem precisando, visto que alguns artifícios imprevistos acabaram imprimindo à noite um colorido especial.
“Oi Goiânia! Oi goianos! Esta noite vou tentar falar um pouco de português. Espero não falar bobagem”, disse o beatle mais carismático de todos, alterando levemente o discurso típico de início de show. Vestido com um blazer rosado (o qual despiu com menos de dez minutos no palco), Paul parecia muito mais disposto do que os 70 anos de idade e mais de 50 de carreira poderiam permitir. Na condição de principal artista vivo da música mundial, ele continua a entregar um espetáculo que é a representação máxima do que tal título significa: quase três horas de hits incontestáveis, movidos a eficiência técnica, profissionalismo e bom mocismo irresistível – e, no show em Goiânia, com inesperados lampejos de rebeldia. Esta, no caso, não foi exatamente proporcionada pelo astro e sua sempre eficiente banda, mas uma cortesia dos incontáveis insetos voadores que habitaram o palco ao longo de toda apresentação.
Antes do show, as criaturas apenas se faziam notar próximas aos telões verticais, durante o tradicional vídeo-retrospectiva. Assim que Paul e seu quarteto deram início ao repertório, às 21h33, com “Eight Days a Week”, os insetos – gafanhotos, esperanças, mariposas, entre outros tantos – passaram a realizar um exótico e espontâneo balé em sintonia com a música e os holofotes que derramavam luzes coloridas nos artistas. Foi na sétima música da noite, na primeira investida do beatle ao piano de cauda, que a inusitada participação especial enfim se fez valer.
Durante “My Valentine”, escrita para Nancy Shevell, atual esposa de McCartney, balões vermelhos surgiram na plateia (em “Blackbird”, foram balões pretos).
Enquanto Paul cantava, insetos dançavam ao redor e pousavam sem cerimônia nos ombros e costas dele. Se em princípio pareceu levemente incomodado, o astro logo entrou na brincadeira, chamando a atenção da plateia e apontando para os seres pendurados nos vincos da roupa. Logo ficou claro que as criaturas assediavam apenas o personagem principal, o único vestido com uma camisa branca e com as luzes mais fortes sempre apontadas para si. “Estamos nos divertindo com os gafanhotos, hein?”, ele generalizou antes de apresentar ao público o ser esverdeado mais insistente, que permaneceu estático no ombro direito dele ao longo de várias músicas. “Este é o Harold. Diga oi para as pessoas”, brincou o músico, que jamais fez menção de evitar tal “ataque”. Ao final de “Maybe I'm Amazed” (dedicada à eterna musa Linda McCartney), mais interação vinda da engajada audiência goiana: cartazes com os dizeres “I Love Meat Free Monday”, referência à campanha lançada por McCartney em 2009 para encorajar a redução do consumo de carne. Harold, por sua vez, continuava firme no local privilegiado de onde assistia ao show. “Agradeça, Harold!”, Paul solicitou furtivamente ao novo amigo.
Fora este literal fenômeno da natureza, nada mais saiu do script ao longo das bem aproveitadas 2h40 de espetáculo. As faixas que fizeram estreia ao vivo em Belo Horizonte foram repetidas em Goiânia, fato que McCartney fez questão de relembrar. “Esta é a segunda vez em que tocamos essa música no mundo”, ele proferiu em português bem pronunciado antes de “Being for the Benefit of Mr. Kite!” e “Lovely Rita”, ambas de Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (1967). “All Together Now” foi dedicada “às crianças”, enquanto em “Your Mother Should Know”, Paul dedilhou um pequeno piano colorido acompanhado de um ursinho de pelúcia que recebeu da plateia. A faixa, também inédita ao vivo até esta turnê, ganhou clipe no telão com homenagens a diversas mães famosas, de Jackie Kennedy a Michelle Obama. Na também estreia ao vivo “Hi Hi Hi”, Paul entrou adiantado e se desculpou. “Eu errei. Mas isso só prova que estamos tocando ao vivo mesmo.”
Já para quem conferiu algum dos shows da turnê anterior de McCartney nos últimos três anos, certas partes pareceram idênticas, inclusive nas palavras escolhidas pelo cantor: “Something” foi dedicada “ao meu amigo George”, enquanto em “Here Today” foi a vez de evocar “o meu amigo John”. A arrasadora sequência ao piano antes do primeiro bis – “Let it Be”, “Live and Let Die” e “Hey Jude” – evocou o mar de lanternas de celulares na multidão (porque isqueiros são coisa do passado), chamas, fogos de artifício e plaquinhas de “na na na”.
De novidade mesmo somente a presença dos insetos, que insistiram em voltar a rodear apenas o protagonista (que muito habilmente conseguiu cantar sem engolir nenhum deles). Durante a pirotecnia explosiva de “Live and Let Die”, foi inevitável pensar que muitos dos seres voadores dificilmente resistiram à temperatura no palco (ao final da canção, Harold e outros primos comprovaram a teimosia típica dos insetos, estacionados diligentemente nos ombros do amigo Paul).
Ainda houve tempo para dois bis exclusivamente de faixas dos Beatles, em que McCartney expôs, sem qualquer sutilieza, do que é feita a genialidade do maior compositor da história do rock: “Day Tripper”, “Lovely Rita” (que tomou a posição que foi de “Lady Madonna” na turnê anterior), “Get Back”, “Yesterday” e “Helter Skelter”.
Os cinco minutos finais do medley do lado B de Abbey Road serviram como o desfecho típico e ideal do show de rock perfeito: “Golden Slumbers”, “Carry the Weight” e “The End”. “Nos vemos em breve”, Paul prometeu, antes da explosão de aplausos, fogos de artifício e papel picado.
A turnê Out There encerra a passagem pelo Brasil em Fortaleza (CE), nesta quinta, 9.
Pablo Miyazawa
Revista Rolling Stone
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